Melhor não discutir

Eu admiro a tua leveza, que ri na cara do meu desespero. E a tua calma, quando a situação é realmente desesperadora. Eu amo a tua paciência que me esclarece todos os dias as mesmas dúvidas cansadas e de ar medroso. Porque você sabe, eu só faço perguntas retóricas. Crio diálogos, discursos, e formulo todas as tuas respostas de uma maneira que eu não vá me magoar. Até hoje deu certo. Não que você seja previsível (como eu), mas é que eu acho que a gente tá no mesmo barco de verdade. Você quer as coisas que eu quero. E as coisas que eu quero que você queira. Eu quero que você tenha paciência e me responda com leveza a todas as minhas perguntas-armadilhas a ponto de rir da minha cara. Mas não rir a ponto de me sentir negligenciada. Porque eu sei que eu não sou equilibrada como você, mas eu tenho parte na razão. Um pouco porque eu acredito que, se você não está aqui pra dividir a cama comigo num sábado à noite, é preciso ter calma para me explicar pela milésima vez os mesmos motivos de sempre. Porque eu me esqueço deles. De tudo, Dos motivos, e das coisas que eu e você queremos.

Quer dizer, eu me lembro muito bem de todas essas coisas que eu quero, só me esqueço que você quer também. Ou acho que você pode mudar de ideia de um sábado pra outro. Você sabe, finais de semana são especialmente complicados pra mim. Não sei socializar. Sou uma falsa comunicadora social. Uma farsa. Quanto mais comunicativa eu pareço, mais eu desejo fazer voto de silêncio no Tibete. Então, resta fazer voto de silêncio de sexta a domingo. Tentar, pelo menos. Eu não sei se você já percebeu, mas quando eu digo que sinto a tua falta, não é nada grande demais. Você nem precisaria falar nada. Nem é de sexo que eu tô falando. É só você, quietinho, existindo ao meu lado. Você sendo você. Me olhando perambular pelo quarto, prestando atenção na TV, me ouvindo falar com a melhor expressão de "tô tentando entender sem te achar uma maluca". Você já sabe que eu sou assim. Maluca. Daquele tipo raro, que fica maluca por medo de enlouquecer. Me desculpa por te fazer embarcar nessa TPM de 30 dias no mês. Mas olha, outubro vai até dia 31, então quem sabe você ganha um dia de folga.

Ultimamente tem sido mais difícil admirar tua leveza. O medo de perder você me faz confundir com descaso. E sempre que eu falo dos meus medos, eu preciso que você desarme um a um, porque se um deles for ignorado sou capaz de pensar que esse medo é capaz de se concretizar. Na verdade é horrível confessar todas essas coisas sabendo que você deve estar rindo por dentro agora. Eu sei, sou o ser mais complexo que já existiu. Eu não era assim antes de você chegar. Você sabe que despertou em mim quase tudo como se fosse a primeira vez. E, se eu explodo de euforia, é normal que a loucura venha junto. Quem sabe se você aparecer agora na minha porta eu vejo que sim, tudo é possível, e que eu não preciso ter medo, só paciência.

É difícil ter paciência quando o que você quer está materializado ao seu lado, distribuindo imponência ao longo de quase dois metros de altura, explanando certezas com a voz mais intimidadora e sexy do mundo. Quase dois metros que se dobram em pedacinhos ao meu lado na cama. A voz que não mais intimida, mas sussurra. Então não importa se eu surtar sábado que vem de novo. E se o mês só tiver trinta dias. Acontece. Só continua querendo as mesmas coisas que eu, e me lembra uma por uma, senão eu acho que você me deixou sozinha nesse barco flutuando no meio do rio Tietê. Não é difícil. A leveza e a paciência você já tem. Só precisa rir da minha cara aqui do meu lado, todos os dias, dormindo e acordando comigo. Porque você intimida, mas o ser complexo sou eu. E eu quero você. Acho melhor não discutir.

Antes que as luzes se acendam

Não adianta só dizer que ama. Tem que dar boa noite também. Você que me acostumou assim, agora aguenta. E não vale dar boa noite se não disser 'até amanhã', porque assim durmo tendo certeza de que amanhã ainda seremos nós. E, quando você acordar, eu preciso ser a primeira coisa que te atinge a mente. Mas não adianta se você não vier falar comigo logo em seguida. E tem que dar bom dia, dizer eu te amo, até daqui a pouco, pra eu me arrumar tranquila, sabendo que você não vai mudar de ideia no meio do caminho, e que daqui a pouquinho seremos nós mais uma vez.

Você que me acostumou assim, agora aguenta. E não adianta só aguentar. Tem que gostar de aguentar. Tem que sentir saudade. Sentir meu cheiro no teu suéter. Fingir que tá cozinhando pra mim. E tem que fazer cara de bobo quando me encontra te esperando pra gente sair. Não sou autoritária. Juro. Eu só preciso saber que você me quer um pouco, porque eu te quero tanto que seria injusto se você não pensasse em mim de vez em quando.

Se você não mudar de ideia no meio do caminho, chega e me chama. E não adianta só chamar. Tem que dizer que tava com saudade, e que a saudade era tanta que fingiu que tava cozinhando pra mim. Mas não basta falar isso tudo, tem que sussurrar, porque ninguém pode ouvir.  Então aproveita que ninguém tá olhando e me beija. Pega esses minutos de completo breu e me rouba. Antes que tenhamos, mais uma vez, que fingir que não nos conhecemos bem. Casa comigo antes que eu tenha que descer pela escada enquanto você vai de elevador. Me faz um filho antes que notem que eu te amo. Gruda em mim antes que percebam que eu te preciso. Me olha e me nota antes que sigam teu olhar.

Antes que eu me esqueça, diz mais uma vez que me ama. Antes que as luzes se acendam e a gente tenha que fingir que nossos corpos nunca se tocaram. Não me deixa esquecer de que o nosso pouco é maior que muito. Que nossas horas a sós valem mais que uma vida. Me jura que um dia as luzes não vão ser problema. Que qualquer dia desses eu vou poder pegar na tua mão sob o holofote do mundo. E que você me quer, não um pouco, não de vez em quando, mas sempre. Assim como eu.

Eu quero que você possa ficar

Eu olho pra você e desejo que você possa ficar. Eu não ligo se você ficar de meia. Nem se você dormir. Muito menos se reclamar das músicas que às vezes eu ouço. Não me importa se você brigar comigo por andar descalça ou por não ter comido direito. Não me preocupa a falta de bateria no celular ou se não avisei em casa sobre meu paradeiro. Eu não vou ficar triste se você  lembrar do teu passado, nem se falar das partes do teu presente em que ainda estou ausente.

Enquanto você tenta me dar bronca, eu só respondo que já vou por um sapato e fico pensando em como você é lindo. Enquanto fala, cuidadoso, com medo de me magoar, eu só olho pra você e desejo que você fique. Que se enrosque em mim, com ou sem meia. Que durma com as pernas entre as minhas. Eu ponho pra tocar só as músicas que você gosta. Me alimento bem e ponho um sapato. Carrego a bateria do celular e dou sinal de vida pro mundo. Ouço sobre o teu passado. E sobre tudo no teu presente que ainda não me inclui.

Sei que é complicado, por isso não complicamos. Nosso mundo paralelo funciona melhor que o real. Não existe trânsito caótico ou horário pra chegar a qualquer lugar. Não existe dar satisfações a terceiros ou chuva fora de hora. Nosso mundo funciona melhor porque, na verdade, todas essas coisas existem, mas aprendemos a ignorar uma por uma. Deixa que procurem. Que comentem. Que chova.

Sei que volta e meia o som das buzinas te lembra que, apesar de o nosso mundo funcionar melhor, ele não é real. Sei também que é difícil gostar de alguém tão teimoso como eu. Mas fica. Me insere no teu futuro. Não desembaraça tuas pernas das minhas. Só não te tira de mim. Conversa comigo o tempo inteiro até quando não pudermos falar. Me toca até quando eu não estiver. Só não me tira de ti.